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SOMOSAGUAS

Pozuelo de Alarcón, Espanha

Texto Isabel Duprat

Madri é uma cidade encantadora. Tem a qualidade de ser alegre, de te fazer bem, exalando uma latinidade intensa e impulsiva, ao mesmo tempo sendo bela, majestosa e carinhosamente bem cuidada, com lindos jardins e parques e muita história para vivenciar, sem falar na comida que faz a felicidade diária de quem aprecia um bom momento à mesa.

 

Fazer um projeto de paisagismo para um condomínio residencial nos arredores de Madri, no povoado de Umera, projeto de Márcio Kogan, foi uma aventura a que me entreguei com enorme entusiasmo.

 

Esta região da Espanha tem um verão muito seco e muito quente, e um inverno frio, sem neve, mas frio. O solo muito alcalino.

 

É instigante a possibilidade de se trabalhar com o desconhecido neste momento da minha vida profissional sobretudo quando o desconhecido é a natureza. O Brasil continental te dá inúmeras experiências com a vegetação ainda assim não te prepara para o trabalho no hemisfério norte, onde o sol continua nascendo a leste, mas está à tua esquerda: pensar invertido! Isto é só o começo, o tempo da vegetação é muito mais lento do que aqui, o efeito das estações do ano é muito mais abrasivo, outra paleta pictórica de vegetação, outros cheiros e perfumes, e sobretudo o olhar de outra cultura e suas relações com a natureza e a percepção da estética dos jardins.

 

A minha vivência no Uruguai, próximo à costa em uma latitude semelhante à mediterrânea, ajudou mas não resolveu, dado que em Madri não estamos à beira mar e as condições climáticas são mais extremas. Há alguns anos, o projeto de uma exposição de Burle Marx para o Museu Reina Sofia, no Parque do Retiro, que estava coordenando com meu amigo Ivo Mesquita, não se concretizou, mas me levou a visitar vários viveiros perto de Valência e arredores de Madri, o que de certa forma me iniciou neste clima. Muita leitura depois, muito mais visitas a viveiros locais, contando com a paciência e boa vontade do cliente e dos viveiristas com tantas perguntas, e passeios pelos parques, praças e Jardim Botânico Madrid foram experiências que me proporcionaram mergulhar na vegetação da região e da que se adaptava a este lugar específico. Elaborar o repertório de espécies vegetais que seriam utilizadas no projeto foi um trabalho ao qual nos dedicamos com afinco.

Absorver e investir na delicada compreensão de tudo isto leva tempo. Levar na bagagem minha percepção do que seja um bom lugar, o entendimento sobre as coisas da natureza, o uso da vegetação, e como trabalho esteticamente todos os elementos e como os justaponho, e manter a identidade que afinal é a forma particular de como trabalho e vejo a natureza, é o desafio e a razão de você estar do outro lado do Equador.

 

Ao estabelecer que toda a circulação de automóveis se fizesse pelo subsolo, reservando a área comum do condomínio para pedestres, o projeto de arquitetura nos proporcionou a oportunidade única de tratar toda as áreas externas como um jardim. 

Por outro lado, esta situação privilegiada veio com a limitação da maior parte do jardim ser sobre laje com pouca altura de terra para plantio à exceção de alguns pontos reservados para árvores sobre solo natural, além de uma variação de insolação muito grande em cada canto do jardim. O que ocorre da mesma forma em cada jardim privado das casas, que além da variável da insolação, tem dimensões e programas diferentes, o que nos levou a pensar em cada um de uma forma particular em função das suas especificidades.

O acesso às casas foi pensado abrindo e estreitando pátios e passagens criando espaços com características singulares que experimentamos à medida em que caminhamos. O projeto de paisagismo propõe criar uma identidade para os moradores com referências específicas de cada setor através da vegetação e desenhos do piso.

 

Desenhei a piscina, inicialmente proposta como uma única raia, com proporções mais amigáveis ao uso simultâneo, seja relaxando nos degraus internos ou dentro d’água. O espaço que envolve a piscina configura também um pátio que ficará mais protegido à medida que a vegetação se desenvolva.

 

As encinas (Quercus ilex), aquelas que produzem as bellotas que conferem qualidade ao presunto ibérico, sempre verdes, inclusive no inverno, pontuam os diversos pátios e a piscina, que é delineada por dois planos opostos: de um lado o desenho estruturado das magnólias grandifloras e de outro a leveza e o verde iluminado das pereiras (Pyrus calleryana). Grupos de magnólias arbustivas (Magnolia sellowiana) marcam as áreas abertas do jardim. A entrada do condomínio é pontuada pelas árvores Zelkova serrata e resedás (Lagerstroemia indica) que se esparramam pelos jardins das casas, unindo-as através de suas copas especialmente durante a época de floração no verão.

 

Blocos de plantas com diferentes tons de verde, formas e texturas, com branco, roxo, rosa e o amarelo das nativas coronillas, o lentisco (Pistacia lentiscus), romero, hypericum, escallonias, teucrim, laurel, tomam forma entrando e saindo do desenho que criei para o piso de granito e das escadas. Em contraste, o brilho e a suavidade dos capins e suas cores iluminando os pátios.

 

Envolvendo o perímetro de toda área, grupos de árvores e arbustos alternam diferentes cores através das estações do ano, tendo como fundo jasmins e roseiras que cobrem os muros.

 

A vegetação por vezes formal, às vezes orgânica em tons e formas, contrasta com o branco e cinza ortogonal da arquitetura, enquanto que a madeira de revestimento dos muros faz uma harmoniosa transição entre estes elementos.

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