Jardim de Pradópolis
Jardins têm uma íntima relação com as lembranças.
Quando pensamos em um jardim que nos faz bem, somos invadidos por um mosaico de sensações, cores, luzes e sombras, perfumes, reminiscências, seja porque a primeira ou talvez a única visita nos afetou, quer pela vivência continuada deste lugar.
Nosso jardim em Pradópolis me faz sorrir quando penso nele.
Meu marido foi trabalhar em uma usina de açúcar muito próxima a esta cidade no interior de SP. Procurou muito uma casa que tivesse um espaço para plantar. Foi difícil encontrar, ao contrário das expectativas. Todos os quintais, em uma região de solo tão bom, eram cimentados. Mais fácil de cuidar, diziam. Árvores e suas folhas que insistem em cair e sujar o chão! Por fim, encontrou uma casa com um quadrado de terra e uma mangueira ainda pequena, mas grande o bastante para ocupar quase todo o espaço.
Em um dos fins de semana daqueles tão aguardados, quando eu ia pra lá, olhando o terreno vizinho baldio, mato crescendo, pensei em tirar o muro que nos separava dele e integrá-lo a nossa casa. A ideia deu certo. Manoel alugou este terreno de 250m² e assim foi que ganhei um pedaço de terra para fazer o que eu quisesse.
Que presente! Foi uma alegria! Momentos fora do tempo! Ali cultivei por seis anos tudo o que gosto, sem preconceito, sem explicação, justapondo a harmonia, as formas e cores, umas às outras, intuitivamente. Contrapus contornos suaves aos mais austeros, salpicados por inúmeros matizes, que nos deliciavam com as suas multiplicidades.
Experimentamos erros e acertos, com apenas o cuidado imprescindível de que estas plantas teriam vocação para aquele lugar. Os dias se passavam com a enxada na mão, e o calor escaldante e seco não arrefecia a vontade de plantar, colher flores para o vaso da semana, apreciar a florada do dia e a que abotoava para desabrochar na semana seguinte. O jardim em pouco tempo foi ganhando vontade própria e ao sabor das estações muitas vezes éramos brindados com florações surpreendentes. Algumas vezes não dava tão certo. Humildade que exercitamos no trabalho na terra.
Nem sempre, a despeito de todas as boas intenções e conhecimento da matéria, conseguimos acertar. Cultivamos com sucesso hemerocales de todas as cores, agapanthus, philodendrons, neomaricas, capins, begônias, bromélias, arbustos floridos, jasmim, rosas e orquídeas em um pequeno ripado. Muitas flores nos oferecendo a delicadeza das evidências. Uma pitangueira, cana caiana, capim santo, alecrim, manjericão e hortelã para temperar a comilança.
O jardim era visitado por hóspedes frequentes, como um belo par de calangos verdes furta-cor que se espichavam ao sol perto de nós. Pássaros diversos que fizeram dali a sua morada, canários da terra, sabiás, em especial um sempre presente choca-barrado enfeitado para atrair a sua fêmea e, mais tarde, os dois alimentando seus filhotes cuidadosamente. Beija-flores aos bandos sugavam o que tivesse de néctar por ali.
Observar esta turma toda, que logo descobriu este lugar, e seus movimentos fugazes, era um convite a deixarmos de lado a soberba e nos dar conta de um mundo que vive fora do nosso rito, mas que a despeito de sua independência, somos responsáveis por ele e dele necessitamos.
Experimentamos ali, na alegria de usufruir o ciclo gracioso deste jardim, o aprendizado da nossa dimensão. Um pequeno recorte do universo.
Quando chegou a hora de irmos embora, levamos junto uma paleta de memórias de todas as cores e uma alegria imensa de ter vivido aquele jardim.
texto, fotografias e aquarela Isabel Duprat
Janeiro de 2021
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