Jardim e Música
Há muitas analogias entre compor e tocar música e projetar e executar um jardim.
Os dois fazeres conjugam a harmonia e a melodia e despertam nossas emoções.
A harmonia na música é vertical, e a melodia horizontal. Os compassos marcam o tempo que é geométrico e hermético.
No jardim a nuance equilibrada da verticalidade expõe a harmonia. É a terceira dimensão, que tem o céu como referência. É a medida da escala do lugar. A melodia está no desenho da terra, na composição vegetal, como justapomos uma planta à outra, e com que proporção e compasso. Está na inercia da pedra, no farfalhar da areia, no movimento da água. Tudo junto e temos uma sinfonia. Cada planta escolhida para um jardim tem o seu tempo e o seu percurso ao longo das estações do ano. A harmonia de um jardim leva em conta os distintos ciclos dos grupos vegetais que são vivenciados em tempos diferentes, mas simultâneos. É uma sinfonia complexa.
Uma bela composição musical é como um primoroso projeto de um jardim. Precisam que seja dada vida às suas escritas: a partitura e o desenho. Ambas as performances precisam ser executadas com técnica, sensibilidade, liberdade e emoção para se tornarem obras que tocam o coração. É imprescindível um profundo envolvimento e comprometimento com o ato de fazer. A partitura e o desenho não sobreviverão com execuções medianas, e podem ser destruídos com uma má interpretação. A música terá outras chances, ela renasce cada vez que é tocada. O jardim não, a sua execução é única. E o ciclo do jardim se inicia quando ela termina. E há ainda o tempo de cuidar, que é eterno. Há o tempo de adubar, o de podar, o de transplantar, o de adaptar e o de esperar. Exercício da paciência, da observação e da percepção.
Existe uma grande diferença entre executar a parte construtiva de um projeto de jardim, assim como de uma casa, onde o projeto é exato e sua execução matemática, como deve ser. Na implantação da vegetação, todos os aspectos imponderáveis de se trabalhar com seres vivos e suas vontades próprias se fazem presentes, ao sabor do tempo e seus comandos e das formas da luz. No jazz a improvisação necessita muita técnica, criatividade, sensibilidade e até a empatia da plateia. A improvisação na execução do jardim requer estes mesmos pressupostos, acrescido da percepção da luz, os inúmeros tons da penumbra e as diferentes cores da sombra, das formas das plantas, dos meandros, das multifacetadas escalas do todo e do entendimento do entorno. Conciliar intuição e razão. Não há uma execução de qualidade de um jardim sem emoção, ou não terá alma, não será um lugar. E, sim, a relação sinérgica com o cliente importa.
Na música o tempo da orquestra é hermético e todos estão atentos ao tempo do maestro.
No jardim o maestro é o tempo.
texto Isabel Duprat
arte Manoel Leão
fevereiro 2021
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