JARDIM DO LAGO
Bragança Paulista, SP
Os projetos mais difíceis que fiz foram aqueles em que o lugar não tinha muito a dizer. Não era a cidade e não era o campo. Eram terrenos em bairros afastados do centro urbano, com densidade menor, com mais segurança, mas carecendo de identidade. Por vezes uma vegetação expressiva ou peculiar, uma grande árvore ou mais, ou mesmo um terreno com organicidade, horizontes, vistas, o clima, seriam elementos que poderiam ajudar na busca desta personalidade. Mas quando estes atributos não estão ali, precisamos criar a história deste lugar por inteiro e fazer com que ele seja bom.
A sonhada página em branco pode ser assustadora em situações como esta. Não há limitações ou condicionantes muito fortes, mas também não há estímulo. Onde buscar inspiração?
Era um terreno com dimensões generosas em um condomínio em Bragança que iria abrigar uma casa de fim de semana para uma família paulista. O terreno de mais de 30.000 m² ocupava uma quadra e era todo coberto de grama batatais. Nenhuma árvore. Circundado de ruas por todos os lados, com um desnível de doze metros, não tinha vizinhos muito próximos, mas muitos estavam por vir. Havia um programa extenso que o projeto de paisagismo deveria contemplar, o que não seria uma dificuldade dado o tamanho do lote. O elemento que seria o ponto focal de todo o projeto, a ser criado pelo projeto de paisagismo a pedido do cliente, seria um lago com peixes e água cristalina, em que se pudesse entrar, nadar e observar um mundo aquático inspirado nos lagos de Bonito, em Mato Grosso do Sul.
A visão do paisagista é fundamental para um trabalho com essas características. O primeiro passo do projeto de paisagismo é fazer um master plan que contemple todas as premissas e solicitações, com a implantação harmônica destes elementos no terreno, levando em conta sua vocação, se houver, o clima, o solo, a escala, o entorno e sua concordância com a rua, além da compensação de corte e aterro de forma a minimizar a retirada ou a colocação de terra no lote. A percepção acurada do terreno deve ser validada também por dados objetivos, um trabalho matemático, acredite, que exige muitos estudos e sensibilidade. Nesta extensão, por exemplo, o ajuste de 30 cm ou até menos em uma cota de nível de implantação pode fazer uma diferença enorme no custo e na logística da obra.

Tomei o lago como ponto inicial do desenho. O jardim foi pensado a partir dele e tudo passou a acontecer ao seu redor. O traço do lago começou como uma água que espelhasse o céu e o entorno no centro do terreno. A sua dimensão na escala do lugar e a cota da sua implantação deveriam ser do tamanho do olhar, de forma que da casa pudesse, de onde se estivesse, ser visto por inteiro. Sua forma longilínea nasceu desta premissa, e o desenho foi dando organicidade suave a ele. As linhas curvas do seu contorno foram esculpindo os relevos internos para viabilizar nichos mais profundos e abrigar peixes mais exigentes. Em suas bordas as curvas criaram a praia e serpenteamos canteiros coloridos pontuados por arvoretas e capins despenteados pelo vento até encontrarem a sapucaia e as jaboticabeiras do pomar. Uma grande e delicada escada de granito Santa Cecília se estende sobre a água propiciando um novo olhar.











Ao final, após inúmeros estudos, inclusive contemplando visuais importantes, o platô da casa ficou 3 m abaixo da cota da rua no seu acesso, ou seja, 1 m abaixo da cota proposta inicialmente pelo projeto de arquitetura e o platô do lago, 1 m abaixo da casa. O lago, pelas suas características, deveria ser visto de cima também, para que se apreciasse todas as cores de água que se formam com a topografia do fundo e todo o jardim aquático submerso.






Mas não é fácil chegar às dimensões da superfície harmônica desta água. A posição da casa no terreno seria uma decorrência da melhor posição para se usufruir o lago e, inclusive com os estudos, optei por diminuir a superfície de água, para acomodar a distância do olhar à escala do lugar. Dada a grande dimensão do terreno e destes elementos, a implantação deveria também ser ajustada com as cotas da rua e com os grandes planos necessários para a quadra de tênis e o campo de futebol.
Desenhei a piscina derramando sua água sobre o lago: duas águas separadas ligadas pela sensação. Seu desenho retilíneo com um desnível interno sinuoso integra as linhas mais rígidas da arquitetura à organicidade do lago.

Todo o terreno foi envolvido for árvores nativas, que hoje constituíram um bosque ao redor de toda a área, protegendo inclusive a visão das casas na cota mais baixa. Ali plantamos angico branco (Anadenanthera colubrina), peroba rosa (Aspidosperma polyneuron), pau marfim (Balfourodendron riedelianum), guarantã (Esenbeckia leiocarpa), marcando alguns pontos do bosque com seu porte e altura, mirindiba (Lafoensia glyptocarpa), canelinha (Nectandra megapotamica), aroeira (Schinus terebinthifolia), cedro rosa (Cedrela fissilis), araribá (Centrolobium tomentosum), quaresmeira (Tibouchina granulosa), entre tantas outras. Árvores importantes das nossas matas, como sapucaia (Lecythis pisonis), jequitibá (Cariniana sp) e jatobá (Hymenaea courbaril) sinalizam referências. O talude lado a lado da entrada principal recebeu dois grandes grupos de ipês brancos (Tabebuia roseo-alba) alinhados. Na arquibancada das quadras, que foram feitas para conter o abrupto talude e ao mesmo tempo acomodar quem assiste aos jogos, muitos ipês amarelos (Handroanthus albus) foram plantados à vontade nos degraus. Junto às quadras, uma alameda de canafístula (Peltophorum dubium). Palmeiras carpentárias (Carpentaria acuminata) marcam a chegada ao lago para quem vem das quadras. Um grupo de ipês roxos (Handroanthus impetiginosus) plantados em suaves patamares de grama vão encontrar o deck de pedra da piscina. Os ingás (Inga sp), que gostam de água, foram parar na beira do lago. Duas linhas de tamareiras (Phoenix dactylifera) foram plantadas na continuação da escada sobre o lago, a pedido do cliente, que queria muito ter estas palmeiras em seu jardim. Muitas árvores frutíferas se juntam às jabuticabeiras configurando um pomar com diferentes limões, carambola, lichia, abiu, manga, abacate, amora e outras. Logo ali, foram feitos canteiros com paralelepípedo e piso filetado, para ervas e flores de corte. Um grande grupo de paus mulatos (Calycophyllum spruceanum) abraça toda a lateral da casa na face sul. Grandes canteiros com hemerocalis, tritoma, neomarica, bulbine, lantana, capins e agapanto ladeiam o passeio junto ao lago. Arbustos fazem grandes maciços de noranteas, alamandas, mini pitangas, bouganvileas, ananas vermelho, sofhora, cassias e muitas mais. Junto às áreas técnicas foram desenhados morrotes para viabilizar altura de terra e ao mesmo tempo fazer um fechamento mais amigável com o jardim, recebendo arvoretas, como Cassia seyal, Erythrina crista-galli, além de Bauhinias. Um denso maciço de grumixamas (Eugenia brasiliensis), com suas deliciosas frutas pretas, fazem o fechamento das placas solares.
Os tipos de circulação foram caracterizados com diferentes pisos. Para a entrada de automóvel, pátio de chegada, área de serviço e horta, foi definido o granito de paralelepípedo filetado. Para o acesso lateral norte junto às quadras foi usado paralelepípedo com junta de grama a cada fiada. Para o passeio no bosque e junto ao lago, solocimento deixa o caminhar mais agradável. O deck da piscina foi feito com placas grandes de granito Santa Cecilia, além de um tapete de tiras do mesmo granito chegando no spa.
Aos poucos o lago foi tomando vida própria e exercendo o seu propósito de existir, reproduzindo um microcosmos para ser usufruído em um mergulho, com peixes coloridos saracoteando em suas águas transparentes e límpidas o bastante para revelar o jardim aquático que desenhei sob a água.
Foi um extenso trabalho ao longo de mais de três anos e que, ao final, penso que naquela página em branco desenhei um lugar e criei uma história.
Área de intervenção ~ 30.000 m²
Projeto e execução 2005 - 2008
Arquitetura Bernardes & Jacobsen
Execução do lago Ecossys
MAKING OF