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Ponte Aérea

Os voos semanais na Ponte Aérea se incorporaram à minha vida nos últimos dez anos por conta do meu trabalho e eu fui transformando estes inevitáveis quarenta e cinco minutos em momentos de reflexão entre as nuvens com a benção do Cristo Redentor. Paulista de nascimento, absolutamente paisagista por natureza, a cada pouso no Rio me sinto arrebatada por uma paisagem insinuante, quase uma provocação: natureza escultórica, as montanhas de pedra penetrando a água, natureza selvagem na floresta, curvas, muitas curvas e muita luz. Na escada do avião uma lufada quente de aromas com mensagens do mar.


No retorno a São Paulo, quase sempre noturno, onde a imensidão construída e inerte se traveste em pontos de luz dissimulando a tragédia urbana, somos conduzidos rapidamente para dentro das casas e apartamentos, restaurantes, teatros, recebendo no aconchego dos interiores o contraponto da rigidez, da feiura, das diferenças, nos acometendo de uma introspecção defendida e sisuda.


Neste sobe e desce, junto com a mudança de sintonia, meu traço vai se soltando e meu desenho ganhando liberdade na medida exata em que eu desfruto a generosidade da paisagem carioca. Nada disto é novo para mim, nem tampouco o deslumbramento ofusca a complexidade e as mazelas que a cidade carrega. A rotina da intimidade com a beleza natural é que se faz reveladora e exacerba os contrastes da vida na presença e na falta da natureza. Ter no exercício da profissão a perspectiva de resgatar a natureza para o nosso cotidiano minimizando esta dualidade é um privilégio. Trabalhar com o elemento natural envolve, no entanto, administrar o imponderável e responsabilidade de “gente grande“. Exige conhecimento aprimorado e renovado da vegetação, a compreensão do terreno a ser desenhado, um levantamento atento das condições ambientais, a compreensão do entorno, um mergulho na história dos jardins, a técnica do projeto e entendimento da escala a ser trabalhada, dada pelo estudo da arquitetura, e a leitura da própria arquitetura. A isso se adiciona a função e o espaço a ser projetado, e quem vai usufruir este lugar. Não é pouco. É preciso ter sobretudo a humildade de que, em se tratando de natureza, nunca se sabe o bastante. Isso tudo e muito mais agregado e digerido no processo criativo junto com as referências e lembranças acumuladas ao longo da nossa vida, como aquele instante mágico de se ver o Aterro do Flamengo banhado pelo vermelho do pôr do sol aos poucos se distanciando nas asas do avião, vão produzir um projeto único que ganha o seu sentido completo na busca da condição de fazermos parte da natureza, e não de predadores contumazes. Reconquistar nossa rusticidade primitiva nos dá uma dimensão realista do nosso compromisso na preservação e criação deste universo natural, porque a ele pertencemos.



texto e fotografia Isabel Duprat


Agosto, 2000



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