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Sombra e Luz

À noite, na minha sala cheia de plantas, exploro fascinada as sombras com formas e cores infinitas refletidas no forro branco.


Estas imersões sob meu teto são uma aprendizagem do olhar e me remetem ao livro Em Louvor da Sombra, que de forma tão delicada nos envolve nestes mistérios. Junichiro Tanizaki nos surpreende observando que a cor que os orientais apreciam é composta de camadas de sombra, enquanto os ocidentais dão preferência a cores compostas por camadas de luz. Diz que os japoneses primeiro criam as sombras e depois a beleza. O livro passeia pelos interiores das casas japonesas, cujo aconchego se faz na gentil gradação de sombras sobre o papel (washi) que preenche as divisórias deslizantes de madeira. Ele nos fala sobre objetos que produzem sombra sobre os móveis e paredes, e como os japoneses elegem as superfícies opacas. Assim são as suas cerâmicas e os utensílios de prata e estanho patinados pelo tempo, sem lustro. O brilho da laca e os desenhos em ouro ganham equilíbrio na penumbra.

Se invertemos o nosso raciocínio ocidental de pensar um espaço começando pela luz para depois buscar a sombra, nos deparamos com uma variedade de camadas espessas de sombra com incontáveis tons de cinza, a síntese repousante de todas as cores, até chegar à luz estridente.

Comecei a desenhar aquelas sombras do teto a partir de um papel preto usando lápis branco. Quanto mais se esquadrinha, mais gradações vão surgindo e o branco do lápis ora fica mais forte ora mais tímido, passando pelos matizes infinitos.




É fascinante raciocinar desta forma, uma fonte instigante para a criação de um lugar de qualidade. Através das sombras percebemos o ambiente que nos envolve. Partindo desta premissa, observo a relação de sombra e luz em jardins que crio. Percebe-se como é diferente a sombra intensa de uma árvore madura de folhas grandes do rendilhado brando de uma árvore de folhas pequenas atravessadas pelos raios solares. A sombra da palmeira é leve e fresca. A sombra da arquitetura sobre o jardim é chapada e parece abafada entre muros, enquanto sob a pérgola trançada por uma parreira, é refrescante. Todas as cores de sombra são diferentes na primavera, no inverno, no verão, no outono.

A luz do entardecer é para mim a mais bela. A cada pôr do sol, revivo esta magia. É a luz menos explícita do dia e a mais indecifrável. Enche a terra de sombras coloridas com uma aura etérea, carregada de enigmas a se desvendar. Como trazer este encantamento para um jardim?

Como atrair luz a partir da sombra e como dar profundidade à sombra?

Esta percepção trouxe nuances surpreendentes. A cor da sombra é silenciosa, sorrateira, acolhedora, mas também pode ser sinistra. A da luz é explícita, alardeada, agressiva, mas também pode ser brilhante e alegre. A magia é entender em que gradações acontecem estas sensações.

Todas estas sutilezas nos trarão vivências diferentes, as quais ainda que não tenhamos consciência, afetam de alguma forma o nosso estado de humor, trazendo alegria, introspecção, nostalgia, ansiedade, serenidade, excitação. Somos muito mais vulneráveis às camadas de sombra e luz do que nos damos conta.

E o fascínio está em que a sombra, com tudo que provoca, experiências reais, não é palpável. É abstrata e sensorial. Resgatei a reflexão inspiradora da minha amiga Sakae Ishi, que diz que fazer jardim é criar sombra e umidade, porque sombra e umidade são sensações e só sensações alimentam a memória. O jardim que permanece na memória é eterno.






texto, desenhos e fotografias Isabel Duprat

edição de vídeo Claudia Ricci

Julho de 2021



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